domingo, 11 de outubro de 2009

Tributo a Nicéia

Quando cheguei na minha casa, os olhares eram de reprovação. Existia uma lei bem clara ditada pela dona Eliane, minha mãe: não quero cachorro aqui. Então, coloquei meu pequeno pedaço de satisfação no chão, balançando o rabinho para lá e para cá.Meu irmão já veio logo usando seu mau humor habitual: “Tira esse cachorro daqui, ele é feio demais. Nem de raça é. E esses olhos esbugalhados, magrelo? Tira daqui!”Nem dei ouvidos, para mim era o cachorro mais lindo do mundo, na verdade cachorra, nunca tinha tido uma.Sem querer ou não, ela acabou ficando.Seguia-me para todo lado, dormia na minha cama, era uma festa.

Ah, detalhe ela foi praticamente roubada. Pelo menos para alguns amigos meus. Meu vizinho a tinha me dado para eu mostrar para minha mãe e se ela gostasse, ficaria, mas falei que seria muito difícil isso acontecer. Ele ficou me esperando na porta, diz a lenda que ele ficou até muitas horas no mesmo local me esperando, e que a irmã dele não tinha permitido a doação. Foi uma confusão. Só menor do que para escolher o nome da minha cachorra.


Tinha vários nomes meigos em mente. Princesa e Barbie estavam no topo da lista. Mas claro, que meu pai tinha que pensar nos nomes mais estapafúrdios para colocar na minha cachorrinha. Na época os jornais colocavam em evidência o caso de um político que estava sendo denunciado pela própria mulher. Meu pai disse que minha cachorrinha era tão danada como essa tal esposa, e adivinhem o nome dela: Nicéia Pitta. Meu pai insistiu tanto que ficou. Nicéia.Era realmente o melhor nome.


Com o tempo ou falta dele, minha cachorrinha deixou de me seguir, e passou a acompanhar minha mãe. Não fiquei com ciúme. Também minha mãe era ótima no que fazia, em ser mãe.Acabei virando irmã mais velha de Nicéia, às vezes a mais nova.Passei a ser a segunda pessoa que ela mais amava.


Ela tinha mania de latir muito quando alguém batia a porta. Era nossa campainha. Mas na hora que as pessoas entravam ela se calava. Uma medrosa valente. Já passei bons bocados por causa dela. Como, por exemplo, quando ia iniciar minhas aulas na universidade, sem querer deitei sobre ela no sofá. Numa velocidade ímpar ela se agarrou a meu nariz. Isso mesmo, foi mordida bem no nariz no primeiro semestre de jornalismo, tive que tomar três injeções anti-raiva.Fiquei alguns dias sem falar com ela. E ela nem se importou. Eu que não resisti e peguei-a no colo para dançarmos ao som de qualquer música. Adoro dançar e ela muitas vezes era meu par na sala de casa. Ela também adorava ficar nos meus braços, só que agora eu protegia melhor meu nariz.


Percebi que Nicéia tinha personalidade forte no dia meu pai trouxe outro cachorro para minha casa. Fora um presente de um amigo. Era lindo. Um filhote da raça fila, cinza, gordinho, nos o chamavámos de Popó.Na hora de dividir a ração, Nicéia sorrateiramente empurrava o filhote para lado até ele cair. Era mais rápida e sempre derrubava ele nas perseguições por comida. Se mostrava bem mais inteligente, e o Popó teve um fim trágico. Meu irmão o atropelou por acidente, pensei até que iria fazer terapia por isso, de tão mau que ele ficou com a situação. Então a Niceia continuou a reinar como o única espécie canina da casa .


Eu sempre foi responsável em enxugar a Nicéia na hora do banho. Só minha mãe a banhava. Tinha um gênio forte. Quando a enxugava colocava o pano amarelo cobrindo as orelhas e dizia para todo mundo que ela era a Jade, a mulçumana. Ela nem ligava.Nicéia também era muito ciumenta. Ninguém podia beijar a mamãe na frente dela. E para vaciná-la? Era um tormento. Dava mais trabalho do que um pastor alemão. Sendo que ela tinha a fisionomia de um cachorro da raça pinche, só que era branca com uma mancha preta, grande e simpática perto da barriga.Sempre se escondia debaixo da cama quando estava com medo e não tinha quem a tirasse de lá, mordia mesmo.O tempo passava e ela continuava sempre ali nos acompanhando, até nas viagens a nossa terra natal.


Até que um dia o pior aconteceu. Nicéia correu, se bateu na mamãe e começou a ter convulsão no meio da sala. Parecia que tinha se engasgado com água. Seus olhos eram vagos. Mamãe começava a se lamentar: “Não tem mais jeito”. Eu não sabia o que fazer, para quem ligar, para onde levá-la . Eu a nunca tinha a visto daquele jeito se batendo no chão, parecia realmente que ela tinha pouco tempo de vida. Covardemente, fui para quarto da mamãe me encolhi no escuro e comecei a rezar, me arrependi dos carrapatos que não consegui tirar dela, das vezes que não a levei para passear, dos pedaços de carne que não dei no jantar.Chorei muito.Mas a voz do meu irmão foi bendita: “Ela se levantou”.


Corri para onde ela estava e vi o quanto ela estava magra. Preparei um leite gelado para ela, que relutantemente tomou, mas logo teve outra convulsão, dessa vez mais rápida, mas voltou ao normal. Em casa, ninguém dormiu nessa noite. Nós a levamos por hospital veterinário no outro dia. Foi horrível a ver fazendo os testes, e mais ainda tê-la longe durante três dias em que ficou internada. Durante nove anos ela nunca tinha dormido fora de casa. O veterinário, que cuidou da Nicéia, era muito simpático e confiante. Ele informou que ela tinha uma virose, mas que não dava para identificar se era o tipo mais leve ou a mais grave. Com a melhora da minha cachorrinha ele a liberou e indicou uma medicação simples. Mas só fomos embora depois de ter esperado muito tempo para acharem a ficha dela no hospital e também tive que tirá-la das mãos de uma veterinária estranha que queria tirar o sangue dela para fazer um teste de um novo remédio para carrapato. (Era só o que faltava).


Nicéia ainda estava muito fraquinha e minha mãe a recebeu com um sorriso enorme.Foi ótimo ver a felicidade nos olhos das duas. Pena que foi por pouco tempo. Nicéia passou o dia normal, se alimentou bem, ficava zangada quando a gente fazia as coisas que não gostava. Mas no outro dia tudo se alterou. Começou a ter convulsão novamente. Liguei para o veterinário que pediu para dar água com mel para ela e para no outro dia levá- la para o hospital veterinário. Mas não deu tempo. A noite a convulsão foi mais forte.Minha mãe usou a mesma frase de antes: “Não tem mais jeito”. E dessa vez ela tinha razão. E depois de uma pequena análise, ela falou: “A Nicéia se foi”.


Timidamente, me escondi na parte da casa que está inacabada por conta de uma reforma e chorei. Durante a madrugada solucei muito e alto, até minha mãe brigar comigo: “faz mau sofrer assim por causa de um bicho”. Fiquei feliz por poder chorar e chorei baixinho. Ainda vejo o sofrimento forte nos olhos da minha mãe quando ela lembra da Nicéia.Sei que doeu mais nela quando vimos a colerinha rosa que ficou no quintal de casa.

5 comentários:

Unknown disse...

finalmente terminou o texto (y)

nem coenheci a niceia =\

JJ disse...

Meus pêsames pela Dorotéia!!

Irno disse...

Foram poucos os momentos que estive com a Nicéia. Poucos mas intensos. Embora pequena, ela demonstrava uma coragem digna de uma leoa quando tinha que defender seu território e sua família. Bastava me aproximar do portão da casa pra ela me receber com latidos e uma valentia que logo se abrandavam quando ela percebia que eu estava em missão de paz, como um amigo. Tenho certeza que a pequena Nicéia está no céu dos cachorros.

Unknown disse...

prima...tadinha da nicéia...meus pêsames....

Arlinda Monteiro disse...

É... realmente vai se difícil encontrar outra cachorra como a Nicéia... Feia daquele jeito.. só ela...huahaua.. brincadeiiiiiira Miza...rsrs..